Passaporte Digital do Produto

1. Introdução ao Passaporte Digital do Produto

O Passaporte Digital do Produto (PDP) é uma solução digital que contém informações detalhadas sobre um produto ao longo de todo o seu ciclo de vida, desde a extração de matérias-primas até à reciclagem ou eliminação, promovendo a transparência, sustentabilidade e a economia circular (European Commission). Este conceito começou a ganhar força com o Pacto Ecológico Europeu (EU Green Deal), lançado em dezembro de 2019, como parte do esforço da União Europeia (UE) para reduzir o impacto ambiental de produtos e criar uma economia mais sustentável.

Em 2020, o Plano de Ação para a Economia Circular (Circular Economy Action Plan) da UE foi publicado, destacando várias iniciativas que visam sobretudo estender a vida útil dos produtos e promover práticas de reutilização, reparação e reciclagem. Neste contexto, o PDP foi identificado como uma solução central para aumentar a rastreabilidade dos produtos e melhorar o fluxo de informações ao longo da sua cadeia de valor.

Em 2022, a proposta da UE para o regulamento de Ecodesign for Sustainable Products Regulation (ESPR) apresentou formalmente as bases para a implementação do PDP. Este regulamento visa garantir que todos os produtos comercializados na UE sejam conceptualizados de maneira mais sustentável, focando-se principalmente na eficiência energética, durabilidade e reciclabilidade. O PDP, dentro deste regulamento, é visto como uma ferramenta-chave para fornecer informações detalhadas sobre o desempenho ambiental dos produtos e facilitar decisões mais informadas por parte dos consumidores, empresas e órgãos reguladores. Além disso, o PDP também procura dar maior controlo aos destinatários finais, garantindo que tenham acesso a informações claras e completas sobre a origem, composição e impacto ambiental dos produtos que compram.

O PDP tem sido apontado como uma das iniciativas mais promissoras da UE para viabilizar a transição para uma economia circular, e o seu desenvolvimento é essencial para garantir que as cadeias de fornecimento sejam mais transparentes, sustentáveis e resilientes.

Figura 1 – Referência ao PDP pela UE ao longo do tempo

2. Principais setores de aplicação e benefícios do PDP

O PDP está a ser adotado em várias indústrias estratégicas, principalmente aquelas que enfrentam desafios mais significativos em termos de sustentabilidade e rastreabilidade. Alguns dos setores pioneiros na implementação do PDP incluem o setor das baterias, o setor da moda e têxteis e a indústria eletrónica. A aplicação do PDP nesses setores reflete o seu impacto potencial na economia circular, permitindo uma gestão mais eficiente dos recursos e melhorando o desempenho ambiental dos produtos.

2.1. Setor das baterias

Figura 2 – Exemplo de um PDP no setor das baterias

2.2. Setor da Moda e Têxteis

Figura 3- PDP aplicado ao setor do vestuário

2.3. Indústria Eletrónica

3.  Benefícios do PDP para as empresas e clientes

A implementação do PDP oferece uma série de benefícios tanto para as empresas quanto para os consumidores e a sociedade em geral. Para as empresas, o PDP melhora a gestão da cadeia de fornecimento e proporciona uma oportunidade de diferenciação no mercado, ao demonstrar o compromisso com a sustentabilidade. O PDP também facilita a inovação de produtos, promove o design para reutilização e reciclagem, o que pode, entre outros, ajudar a reduzir a dependência de matérias-primas virgens.

Para os consumidores, o PDP oferece um nível de transparência sem precedentes. Os clientes finais têm acesso a informações claras e detalhadas sobre a origem e impacto dos produtos que consomem, permitindo-lhes fazer escolhas mais informadas e sustentáveis. Além disso, o PDP pode contribuir para melhorar a confiança dos consumidores nas empresas, ao assegurar que estas estão a adotar práticas responsáveis e em conformidade com os regulamentos ambientais.

No entanto, apesar dos seus inúmeros benefícios, a implementação do PDP enfrenta uma série de desafios complexos que precisam ser superados para que este possa alcançar todo o seu potencial.

4. Principais desafios do PDP

  • Software: As empresas terão de escolher entre desenvolver o seu próprio sistema de PDP ou adquirir uma solução existente, o que poderá incluir custos de licenciamento, atualizações e manutenção de software.
  • Hardware: A implementação de sensores e dispositivos de monitorização para recolher dados em tempo real (como consumo de energia, água, e emissões de CO2) representa um custo relevante. Também a digitalização requer uma infraestrutura tecnológica robusta, muitas vezes inexistente em empresas de menor dimensão.
  • Recursos Humanos: Para assegurar o uso eficiente do PDP, as empresas terão de investir em formação especializada para os seus colaboradores, assim como contratar novos técnicos qualificados para gerir e monitorizar o sistema.
  • Impacto nas pequenas e médias empresas (PMEs): Embora grandes empresas possam ter os recursos necessários para absorver estes custos, PMEs podem enfrentar maiores dificuldades. Muitas destas empresas não dispõem da infraestrutura ou do capital necessário para suportar investimentos significativos, o que pode resultar na exclusão de mercado para algumas delas.
  • Necessidade de subsídios ou incentivos governamentais: Para mitigar os custos iniciais e evitar um aumento excessivo de preços, incentivos governamentais podem ser essenciais. Isto pode incluir suporte para a aquisição de tecnologia ou deduções fiscais para empresas que cumpram os requisitos do PDP.
  • Risco de desigualdade de preços: Um aumento nos custos dos produtos pode agravar as desigualdades de consumo, especialmente entre consumidores com pouco poder de compra, tornando mais difícil o acesso a produtos essenciais. Políticas públicas de apoio ao consumidor, como apoios diretos para produtos sustentáveis podem ajudar a mitigar este impacto.
  • Empresa X, sediada na Europa, e Empresa Y, sediada nos Estados Unidos, produzem exatamente o mesmo produto e têm o objetivo de o vender a um cliente na Ásia.
  • Supondo que ambas enfrentam os mesmos custos de produção, como mão-de-obra e energia, a Empresa X terá de assumir os custos adicionais da implementação do PDP, conforme exigido pela regulamentação europeia.

Neste contexto, a Empresa X pode ser forçada a aumentar o preço do seu produto para cobrir os custos do PDP, enquanto a Empresa Y não enfrenta essa mesma exigência regulamentar. Assim, a Empresa Y pode oferecer o mesmo produto a um preço mais competitivo, ganhando uma vantagem significativa no mercado externo.

Considerações adicionais:

  • Disparidades regulatórias: Empresas fora da UE não têm os mesmos custos associados ao cumprimento das regulamentações do PDP, o que pode reduzir a competitividade das empresas europeias nos mercados globais.
  • Implicações a longo prazo: A longo prazo, esta perda de competitividade pode afetar as exportações, afetando a sustentabilidade das empresas europeias e, por extensão, a economia da UE.
  • Potencial para barreiras comerciais: Embora o PDP seja essencial para promover a sustentabilidade, também pode criar barreiras comerciais indiretas para empresas europeias que competem em mercados globais sem regulamentações equivalentes.

 4.3. Mudança de hábito do consumo da população

A implementação do PDP visa promover a economia circular, reduzir a poluição ambiental e incentivar o consumo de produtos mais sustentáveis. No entanto, o sucesso desta iniciativa depende não só da tecnologia e regulamentação, mas também da mudança de hábitos de consumo da população.

Um dos maiores desafios é garantir que os consumidores escolham conscientemente produtos mais sustentáveis, mesmo que estes possam ter um preço mais elevado. Atualmente, com a ameaça de recessão na Europa, o aumento da inflação e a perda de poder de compra, é expectável que muitos consumidores priorizem o preço sobre a sustentabilidade.

  • Disparidade de preços: Produtos com PDP e melhores indicadores ambientais podem ser mais caros devido ao investimento em tecnologia. No entanto, os consumidores, especialmente em momentos de crise económica, tendem a escolher produtos mais baratos, independentemente do impacto ambiental.

Considerações adicionais

  • Consciencialização vs. preço: A sensibilização ambiental pode ser alta, mas o fator preço continua a ser determinante. Sem incentivos financeiros (como benefícios fiscais para produtos sustentáveis), é improvável que haja uma mudança significativa no comportamento de compra.
  • Impacto da crise económica: A inflação, o desemprego e a perda de poder de compra podem travar o progresso na adoção de produtos sustentáveis, prejudicando os objetivos da UE para uma economia mais circular.
  • Incentivos ao consumo sustentável: Políticas públicas que ofereçam incentivos aos consumidores para a compra de produtos sustentáveis podem ser cruciais para superar este obstáculo, tais como redução de IVA em produtos com credenciais ambientais ou subsídios diretos.

5. Conclusão

A implementação do Passaporte Digital do Produto traz consigo benefícios claros em termos de sustentabilidade e economia circular, mas os desafios não podem ser ignorados. Desde o aumento dos custos de produção, à perda de competitividade no mercado global e à resistência do consumidor a pagar mais por produtos sustentáveis, é necessário encontrar um equilíbrio. Para mitigar os efeitos negativos, será crucial o desenvolvimento de políticas públicas que incentivem tanto as empresas como os consumidores a abraçar esta transformação de forma acessível e justa.

European Data Portal (2024). EU’s digital product passport: Advancing transparency and sustainability. Retrieved October 14, 2024, from https://data.europa.eu/en/news-events/news/eus-digital-product-passport-advancing-transparency-and-sustainability

European Commission (2019). European Green Deal. Retrieved October 14, 2024, from https://commission.europa.eu/strategy-and-policy/priorities-2019-2024/european-green-deal_pt

European Commission (2020). Circular Economy Action Plan. Retrieved October 14, 2024, from https://environment.ec.europa.eu/strategy/circular-economy-action-plan_en

European Commission (2022). Ecodesign for Sustainable Products Regulation. Retrieved October 14, 2024, from https://commission.europa.eu/energy-climate-change-environment/standards-tools-and-labels/products-labelling-rules-and-requirements/ecodesign-sustainable-products-regulation_en

Qliktag. (2024). EU Digital Product Passport Powered by the Qliktag Platform. Retrieved October 16, 2024, from https://qliktag.com/eu-digital-product-passport

Circle Economy Foundation. (2023). Closed Loop Pilot – Pioneering circular business models in fashion. Retrieved October 16, 2024, from https://knowledge-hub.circle-economy.com/article/9470

Contentserv. (2023). Digital Product Passport: Ticket to achieving a circular economy. Retrieved October 16, 2024, from https://www.contentserv.com/blog/digital-product-passport-ticket-to-achieving-circular-economy


Pedro Moreira

Industry & Maintenance – Program Coordinator