Computação de alta performance (ou High Performance Computing – HPC, em inglês) é mais do que uma buzzword.
Ao longo dos anos, a ciência tem vindo a utilizar os recursos existentes para criar modelos, teorias e fórmulas capazes de explicar a curiosidade humana e os mais diversos fenómenos do universo. Através de variadíssimos métodos e instrumentos, a comunidade científica tem sido capaz de analisar o mundo ao nosso redor, muito para além do que é possível ver com os nossos olhos.
Mas esta capacidade de inovar e conquistar novas descobertas só tem sido possível porque estão disponíveis vários repositórios com trabalho académico e científico documentado, acessível em inúmeras bibliotecas por esse mundo fora. Por isso mesmo, a informação e o conhecimento sobre o passado são dois dos ingredientes essenciais no processo de inovação, pois permitem reutilizar dados já produzidos e escolher caminhos de investigação com maior probabilidade de sucesso.
Prova disso é o facto de que qualquer tese de mestrado ou doutoramento, relatório ou plano de atividades incluir normalmente várias referências a artigos, estudos, documentos e factos já produzidos e validados pela comunidade (académica, científica, jornalística ou apenas pela sociedade civil) permitindo o desenvolvimento de novas áreas de investigação. Mas, se por um lado a digitalização e massificação do uso da informática (a que assistimos nas últimas décadas) resolveu alguns problemas relacionados com o formato, preservação e partilha da informação, a verdade é que foram aparecendo outros riscos relacionados com a segurança, disponibilidade e veracidade da mesma.
Computação de alta performance: uma ameaça, uma solução ou ambas?
Infelizmente, a tecnologia desenvolvida para resolver problemas da humanidade tem sido utilizada por outras pessoas ou grupos que de forma maliciosa a aproveitam para fins menos legítimos. Por exemplo, há relativamente pouco tempo, um ataque informático comprometeu mais de vinte organizações do sector energético na Dinamarca, que é atualmente um dos países mais avançados no domínio da Cibersegurança. Ataque este que teve como base uma (ou várias) vulnerabilidade nas próprias ferramentas de segurança (neste caso sistemas de Firewall e VPN) de uma conhecida empresa tecnológica.
Recuando alguns anos, podemos recordar-nos do aparecimento da tecnologia peer-to-peer, que revolucionou a forma como se procediam transações de dados no meio académico e científico. Mas a mesma tecnologia base permitia também a promoção da pirataria com partilha ilegal de conteúdos multimédia, fazendo inclusive tremer a indústria cinematográfica. Ou o aparecimento do email, que inicialmente permitiu que as pessoas trocassem mensagens quase instantâneas entre pontos geográficos distintos, mas que ao mesmo tempo permitia o envio massivo de publicidade não endereçada (SPAM) ou mais recentemente o desenvolvimento de elaboradas campanhas de phishing (envio de emails maliciosos com objetivo de obter credenciais, cartões de crédito ou outros elementos pessoais e confidenciais).
O avanço das tecnologias e a globalização da sua utilização permitiu a criação de moedas virtuais, suportadas em bases de dados e transações distribuídas (blockchain) desafiando o tradicional setor bancário, centralizado. Mas ao mesmo tempo, esta tecnologia é usada para pagamentos de pedidos de resgate (ransomware) não rastreáveis, para pagamentos de serviços no mercado obscuro da darkweb ou para outras atividades ilícitas.
As pessoas, empresas e os media encontraram nas redes sociais uma forma rápida de chegar aos amigos, clientes e público em geral, permitindo comunicação bidirecional em tempo real. Porém, a criação de perfis falsos, a produção de vídeos deepfake e disseminação de fakenews começa a ser uma realidade em todo o mundo provocando desconforto e desconfiança na sociedade.
Tem sido assim ao longo dos anos, e provavelmente continuará a ser no futuro, porque o sucesso da internet (tal como a conhecemos) se deve à sua capacidade de conexão global e à gestão descentralizada numa aparente anarquia onde cada um pode fazer ou dizer tudo o que entender, sem filtros nem censura.
Atualmente, os desenvolvimentos na área da computação de alta performance, a comercialização de supercomputadores, o desenvolvimento de dinâmicas de inteligência artificial e os primeiros passos na computação quântica são alguns dos desenvolvimentos tecnológicos que mais entusiasmam a comunidade científica no domínio da tecnologia.
Tem potencial para revolucionar inúmeras áreas da ciência e da tecnologia, desde a química à criptografia, passando pela medicina, genética ou meteorologia, resolvendo problemas complexos de forma rápida e eficaz. Porém, a computação de alta performance vem acompanhada por inúmeros desafios, particularmente na área de cibersegurança.
Apesar das várias iniciativas desenvolvidas por organizações internacionais, como a ICANN (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers), a IEFT (Internet Engineering Task Force), a W3C (World Wide Web Consortium), temos assistido ao crescimento exponencial de crimes informáticos de larga escala, campanhas de desinformação online, publicação de dados pessoais não autorizados, assédio e “cyber bulling” entre outras realidades incompatíveis com o propósito inicial deste recurso tecnológico.
O potencial da revolução através da computação de alta performance
É neste contexto que encontramos um dos maiores desafios da atualidade para a ciência (ao nível das tecnologias): resolver os problemas e as falhas na confidencialidade, integridade e disponibilidade dos sistemas e tecnologias da informação, controlando parâmetros incertos e limitando agentes indesejados (mantendo um recurso de comunicação global e acessível como é atualmente a internet).
Alguns destes problemas poderiam ser resolvidos com tecnologias já existentes, como por exemplo:
- uma assinatura digital qualificada poderia ser obrigatória na criação ou utilização de um perfil nominal de utilizador numa rede social;
- a incorporação da tecnologia blockchain na venda de bilhetes de acesso a recintos desportivos ou espetáculos culturais eliminaria o mercado paralelo, caracterizado por especulação de preços ou até mesmo venda de cópias ou falsificações;
- a obrigação de uso de SPF (Sender Policy Framework) e DMARC (Domain-based Message Authentication, Reporting & Conformance) nos domínios que procedem ao envio de emails poderia eliminar o SPAM e as campanhas de phishing que invadem as caixas de correio dos utilizadores;
Porém, qualquer uma destas ações, tornada obrigatória, mudaria o paradigma da internet livre e descentralizada. Colocaria em causa o princípio da liberdade e obrigaria a um compromisso mundial com foco na usabilidade e na segurança da informação, razão pela qual a nova Web 5.0 coloca um grande desafio à inteligência artificial na filtragem de conteúdos (separando o trigo do joio), na interligação automática de dispositivos IoT ou na resposta a necessidades que o próprio humano ainda não identificou.
E neste domínio, os desenvolvimentos na área da computação de alta performance e o próprio aparecimento dos computadores quânticos alterará completamente a forma como aprendemos, comunicamos ou gerimos o conhecimento nas sociedades modernas. Mas ao mesmo tempo, imaginar um computador quântico nas mãos de um grupo criminoso é um cenário assustador, tendo em conta que o tempo necessário para descodificar os mais fortes algoritmos de encriptação (da atualidade) passa a ser de apenas alguns segundos.
Computação de alta performance vs futuro: o que esperar?
Estima-se que entre 2030 e 2040 possam começar a ser disponibilizados computadores quânticos de uso doméstico, com custos e tamanhos mais reduzidos. Nessa altura, o 5G será certamente obsoleto e uma nova tecnologia de comunicação de dados suportará, ainda com maior eficácia, a transmissão e a partilha de informação e conhecimento em tempo real. Os desafios da sociedade serão certamente diferentes dos da atualidade, e a ciência terá um papel ainda mais importante, porque o conhecimento poderá continuar a ser um dos ativos mais relevantes no processo de criação de valor nas organizações e na própria sociedade.
Colocar-se-ão certamente várias questões.
Seremos capazes, através da ciência, controlar ou limitar fenómenos naturais, evitar guerras entre nações ou eliminar ataques informáticos?
Será a computação – de alta performance (onde se inclui a computação quântica) o novo marco da civilização, depois da invenção do fogo, da escrita, da eletricidade ou da internet?
Estarão as gerações futuras condicionadas na sua criatividade e evolução intelectual, fruto da massificação do uso da inteligência artificial?
Carlos Domingues
Coordenador de TI e Segurança da Informação