Blockchain: A Transformar Indústrias e Serviços

Sérgio Carvalho

A blockchain tem ganho destaque nos últimos anos como uma das inovações mais disruptivas do século XXI. Discussões em torno da sua capacidade de garantir transparência, segurança e descentralização destacam-se não apenas nas criptomoedas como o Bitcoin, mas também em aplicações em áreas diversas onde a própria tecnologia acaba por ser configurada com base nas realidades dos setores. O seu impacto potencial é vasto, podendo transformar a forma como os dados e as transações são geridos. Apesar disso, o tema gera sentimentos polarizados: é celebrada pela promessa de eliminar intermediários e empoderar os utilizadores, mas também é alvo de críticas devido a questões como o impacto ambiental, a volatilidade das criptomoedas e os desafios regulatórios. Esta dicotomia reflete tanto o entusiasmo quanto as preocupações em relação a uma tecnologia que pode redefinir estruturas económicas e sociais. 

O conceito desta tecnologia é o de registo digital descentralizado (peer-to-peer) que ao contrário das tecnologias tradicionais cliente-servidor, garante que cada nó funciona tanto como cliente como servidor. A rede de nós (computadores) distribui a gestão da tecnologia, aumentando a segurança e promovendo a transparência. Os dados partilhados são disponibilizados e organizados em blocos, que contêm informações verificáveis, e esses blocos são ligados uns aos outros através de criptografia, formando uma cadeia (blockchain). Cada bloco contém um conjunto de informações que, uma vez registadas, não podem ser alteradas ou apagadas sem o consenso da rede, garantindo a imutabilidade dos dados. Por exemplo, ao visualizar o histórico de uma transação, mesmo que alguém tente modificar os dados, essa alteração será rapidamente identificável pelos outros participantes da rede, assegurando que nenhuma informação falsa seja aceite ou considerada válida. Além disso, o utilizador pode verificar a autenticidade de um documento ou rastrear a origem de um produto ao longo de toda a cadeia de abastecimento, garantindo a integridade das informações e a confiança no processo. 

A blockchain veio revolucionar o uso tradicional de tecnologias menos fidedignas e centralizadas, como os sistemas tradicionais de gestão de dados e transações. Atualmente, muitas organizações ainda recorrem a métodos centralizados que, muitas vezes, apresentam vulnerabilidades à manipulação, erros humanos e falta de transparência. Com a blockchain, esse salto é significativo, pois elimina a necessidade de intermediários e cria uma rede aberta, acessível e altamente segura.  

Embora o conceito de blockchain tenha sido introduzido em 1991 por Stuart Haber e Scott Stornetta, foi em 2008 que Satoshi Nakamoto (pseudónimo) apresentou a criptomoeda Bitcoin, dando início à aplicação prática desta tecnologia no domínio financeiro. Desde então, a blockchain evoluiu para além das criptomoedas. Esta evolução não se limita apenas à diversificação das aplicações, mas também ao desenvolvimento de diferentes estruturas, com o surgimento de ecossistemas mais públicos ou mais privados, e algoritmos de consenso distintos para as diferentes necessidades. A blockchain pública, por exemplo, é aberta a qualquer participante, garantindo a transparência total, enquanto as blockchains privadas são mais restritas e focadas em utilizadores ou organizações específicas, oferecendo maior controlo e privacidade. Assim, a blockchain continua a transformar-se e a adaptar-se às exigências de uma variedade crescente de contextos e desafios. Seguem alguns exemplos da aplicação da tecnologia nos mais diversos setores. 

Setor Financeiro

No setor financeiro, a tecnologia blockchain tem conquistado uma adoção significativa, particularmente em áreas como contratos inteligentes, transferências internacionais e conformidade regulatória. Esta transformação é evidenciada por instituições como o JP Morgan Chase, que implementou soluções blockchain para agilizar e fortalecer a segurança de transações internacionais. O sistema Kinexys do JP Morgan já processou mais de 1.5 triliões de dólares em transações através de blockchain (https://www.jpmorgan.com/insights/payments/payment-trends/introducing-kinexys). 

Em Portugal, esta evolução também se faz sentir, com o Banco de Portugal a explorar ativamente as potencialidades da tecnologia blockchain para a otimização de pagamentos internacionais, destacando-se a sua participação no projeto europeu de pagamentos instantâneos e no desenvolvimento do euro digital, uma iniciativa que se encontra atualmente em fase de preparação e promete revolucionar o panorama das transações financeiras digitais. 

Fonte: https://www.bportugal.pt/page/o-projeto-do-euro-digital

No ecossistema DeFi (Finanças Descentralizadas), surgem inovações que eliminam intermediários e desafiam os sistemas tradicionais através de protocolos descentralizados. Algumas das principais inovações incluem: 

  • Empréstimos peer-to-peer através de protocolos como o Aave, onde os utilizadores podem emprestar e pedir emprestado criptoativos sem necessidade de intermediários bancários. 
  • Exchanges descentralizadas (DEXs) como Uniswap e PancakeSwap, que permitem a troca direta de tokens. 
  • Staking e yield farming em protocolos como Curve Finance, onde utilizadores podem obter rendimentos fornecendo liquidez. 

O valor total bloqueado (TVL) em protocolos DeFi ultrapassou 100 biliões de dólares em novembro de 2024, demonstrando a crescente adoção destas soluções financeiras descentralizadas. 

Saúde

No setor da saúde, a tecnologia blockchain tem revolucionado múltiplas vertentes, desde a gestão de registos médicos eletrônicos até à rastreabilidade de medicamentos e pesquisa clínica. Sistemas pioneiros como o MedRec demonstram o potencial desta tecnologia na garantia da privacidade e controlo da acessibilidade dos dados dos pacientes, permitindo uma partilha segura de informações entre pacientes e profissionais de saúde. Simultaneamente, plataformas como a IBM Blockchain têm estabelecido parcerias estratégicas no combate à falsificação de medicamentos, assegurando a autenticidade dos produtos farmacêuticos ao longo de toda a cadeia de fornecimento. Esta tecnologia também tem fortalecido a investigação clínica, proporcionando maior transparência e confiabilidade nos ensaios, ao mesmo tempo que facilita a colaboração interinstitucional e a validação rigorosa dos resultados obtidos. 

Retalho

No setor do retalho, a tecnologia blockchain tem transformado significativamente a gestão de inventário e a autenticação de produtos, com casos de sucesso notáveis como o da Walmart, que conseguiu reduzir drasticamente o tempo de rastreamento da origem de produtos alimentares de 7 dias para apenas 2,2 segundos. A evolução desta tecnologia é também evidenciada pela parceria estratégica entre a IBM e a iFoodDS, que permite a rastreabilidade em tempo real de produtos frescos desde a colheita até ao consumidor final, enquanto empresas como a Carrefour implementaram sistemas que permitem aos consumidores verificar a origem completa dos produtos através de códigos QR nas embalagens, contribuindo simultaneamente para a redução do desperdício alimentar através de uma gestão mais eficiente.  

Neste contexto de inovação, o Data CoLAB tem desenvolvido soluções baseadas em blockchain para o Passaporte Digital do Produto (PDP), uma iniciativa estratégica da União Europeia que visa melhorar a rastreabilidade, autenticidade e circularidade em diversos setores, tornando-se obrigatória para muitos produtos nos próximos anos e desempenhando um papel crucial no apoio à economia circular ao disponibilizar informações essenciais sobre composição, reciclagem e reutilização de materiais, alinhando-se assim com os objetivos de sustentabilidade e transição ecológica da UE. 

Fonte: https://www.freshplaza.com/north-america/article/9065120/carrefour-italia-is-using-blockchain-technology-for-citrus-fruits/

Outros Setores


Fonte: https://www.e-resident.gov.ee/dashboard/

Outras utilizações: 

Vários artistas têm explorado os NFTs  (Tokens Não Fungíveis) como meio de expressão artística e comercialização das suas obras. Utilizam esta tecnologia para assegurar a autenticidade e propriedade das criações digitais. 

Quim Barreiros, o icónico músico português conhecido pelas suas letras bem-humoradas, entrou no universo dos NFTs com a coleção chamada QuimFT. Lançada em abril de 2023, esta iniciativa busca trazer seu legado musical para o mundo digital, oferecendo aos fãs um “tesouro digital”. A coleção inclui 1000 NFTs, homenageando sucessos populares como “A Cabritinha” e “A Garagem da Vizinha”, permitindo que os fãs possuam uma peça única da cultura musical portuguesa. Os compradores dos QuimFTs têm acesso a benefícios exclusivos, como acesso ao backstage em shows, participação em futuros videoclipes, e até mesmo a possibilidade de ouvir novos lançamentos em primeira mão. 

Fonte: https://www.publico.pt/2023/04/19/tecnologia/noticia/quim-barreiros-juntase-febre-nft-novos-quimft-2046563

A integração de NFTs com ambientes virtuais cria novas formas de interação social e comercial. Plataformas como Decentraland e The Sandbox permitem que utilizadores comprem terrenos virtuais, criem experiências interativas e comercializem ativos digitais únicos.

Com base no potencial transformador da blockchain e nos esforços crescentes para superar os seus desafios, fica claro que o futuro desta tecnologia será moldado pela capacidade de equilibrar inovação com sustentabilidade e responsabilidade. Apesar das dificuldades técnicas, regulamentares e ambientais, as iniciativas em curso para otimizar o consumo energético, melhorar a interoperabilidade e promover uma regulamentação clara são passos essenciais para a sua consolidação. No entanto, o sucesso dependerá não apenas da evolução tecnológica, mas também da educação e sensibilização sobre o uso consciente e estratégico da blockchain.  

Continuaremos a acompanhar e analisar os desenvolvimentos desta tecnologia, trazendo atualizações relevantes sobre os seus avanços e impactos nos diversos setores da economia. 

Sérgio Carvalho

BackEnd Developer